Como tocar o Sentido da Vida (2025-12-12)

Últimos textos que venho escrevendo - fragmentos e outras coisas não romantizadas (reprodução livre para divulgação)

Joshua Glass

12/12/20256 min read

COMO TOCAR O SENTIDO DA VIDA ou QUAL PALAVRA USAR AO FALAR DELE

Por Joshua Glass

Ao perguntar sobre as causas finais de algo, lembre das regras:

"OBJETIVO" quer dizer a meta que se quer alcançar por uma ação, por isso só se pergunta objetivos de ações, nunca de objetos. Se alguém perguntar o objetivo de uma Pessoa, se trata de uma metonímia para indicar que a pessoa tem planos de ação em curso, e sabemos que não está falando da pessoa em si, enquanto objeto, mas desses objetivos que pertencem a ela sem com ela se confindir.

Por isso não se diz: "Qual o objetivo do carro?"

Devemos, nesse caso, usar a palavra "PROPÓSITO", que tem uma acepção sutilmente diferente. Enquanto OBJETIVO foca na relação entre coisa e finalidade a partir da perspectiva da finalidade, colocando os fins acima dos meios, PROPÓSITO é muito mais pessoal e contingente - parte da perspectiva da coisa e exalta sua individualidade perante o universal

É quase como pensar na nossa vida. Se usamos a palavra OBJETIVO, tornamo-nos objetos na esteira industrial, forçados a tomar um papel e uma forma pré-desenhados. Se temos um objetivo, é para encenar uma parte no teatro do mundo - marionetes úteis, talvez heroicas, mas nunca mais que peças do todo. Por outro lado, ter um PROPÓSITO é como ter vocação, é ser importante mesmo sendo só mais um do cenário.

Mas se nos restringimos somente ao significado econômico/utilitário, ou mesmo se caimos na frieza de um tomismo abstrato, claustrofóbico, mais cientificista que nada, então parece que ambas as palavras não são mais do que uma.

O que torna a linguagem uma ferramenta tão poderosa é justamente essa capacidade de se dizer a mesma coisa formal por lados muito diversos. Não é como quebrar as cordas que conectam ideias e acontecimentos e depois ligar de novo de outro jeito - isso não. Se trata antes de ver uma relação entre pontos, uma linha de causa/efeito, e se colocar de um lado ou de outro da mesma linha.

Agora, me diga, isso foram só duas palavras. Dava para ter um curso assim. E quem não estudaria? A mente humana é linda. Isso porque ela tem um propósito.

Então, quando se fala na razão de viver, lembremos qua ciência moderna só tem parte da história - sendo positiva ela só fala dos objetivos, e todos sabemos que o objetivo da vida é se reproduzir e expandir, ainda que isso pareça absurdo diante do sofrimento do mundo.

Se vivemos objetivamente, deixamos de ser humanos, porque a perspectiva do homem é subjetiva e não objetiva - todos nós sabemos disso. Pra se viver não basta só satisfazer o equilíbrio do corpo, ter um carro, uma casa e pay per view na TV. Esse é o mesmo motivo por que uma IA nunca poderá escrever como um homem - porque ela escreve por objetivo, mas o homem escreve por um propósito.

E propósito só existe para quem tem ponto de vista, para quem pode dizer "eu". Não é por acaso que, sendo os únicos com mente e com corpo, tenhamos a tendência de tratar por pessoas mesmo os gases e os seres minerais - porque no fundo da alma temos essa certeza de que em tudo há propósito, personalidade e certa vocação para o Céu. Seria ridículo falar "a pedra se moveu" se se levasse a sério a seriedade dos sábios da academia. Seria preciso inventar algum novo tipo de frase que não tivesse pessoa, ou assumir duma vez que a pedra se moveu por circunstâncias divinas, angélicas, humanas e insitucionais.

É contra essa visão insana de mundo que venho lutando há muito tempo sem saber, contra esse niilismo exaltado que pretende cortar o mundo de Deus como se corta uma fatia dum bolo - e julgar o carro novo do padeiro pela forma da massa. Impossível!

A ciência é por definição um método - e métodos se constroem visando objetivos. Por isso eles não alcançam propósito senão quando inseridos na vida de uma pessoa real, como parte de sua missão neste mundo. Longe estou de ser daqueles que se colocam contra a ferramenta - é ela que faz os carros andarem. Mas eu respeitaria mais os doutores se eles dissessem pra mim "não estamos nem aí para o sentido da vida, só queremos saber de poeira estelar". Isto seria muito condizente, apropriado e louvável.

Parece que minhas digressões conseguem espremer de qualquer coisa assunto para sermão, entretanto só quero terminar ressaltando que faz parte da estrutura gnosiológica humana tratar o mundo de maneira cristã. Porque se as frases em qualquer idioma seguem este modelo (PESSOA > AÇÃO > OBJETO), e se é da nossa tendência tratar coisas por pessoas, comer carne e fumar(*), então fazer-se kantista e zombar disso como lixo evolutivo ou contingência da história não parece ser exatamente algo se que faça sem reservas bem largas. E, de fato, nenhum kantista se desloca no mundo achando que seu porsche é aparência, ou que vai a uma aparência de churrascaria comer uma aparência de boi.

O fato de precisarmos tratar com o mundo pessoalmente revela não só que nós mesmos somos pessoas - dotadas de alma - mas também que há algo de pessoal na estrutura da realidade. Porque, se o carro se desloca, ele é (dalguma maneira) a pessoa da frase, que está se deslocando. Então precisamos admitir que existe uma Pessoa divina por trás de todas as coisas, e que é impossível fugir completamente Dela, mesmo quanto focamos nas realidades mais diretas e baixas. Existe sempre alguém por trás da frase - esse mesmo Alguém que criou a mente humana e a dotou de palavra, e que fez todas as outras coisas.

Essa intencionalidade do mundo é característica essencial, e cai-se no Ateísmo justamente quando tenta-se desviar dela. Em primeiro lugar, não se há de atacar a noção de Criacionismo e design inteligente e relegar essas coisas a medievalismo barato e sair impune da história. Digo, da História. Porque a História do mundo vem de bem antes da Igreja Católica, e na antiguidade pagã a intencionalidade da vida era tão exaltada que as pessoas às vezes morriam para escapar de cometas e premonições. O paganismo pós-moderno astrológico/divinatório está aí para mostrar o que ocorre quando a busca de sentido extrapola para a superstição - que é justamente o que a Igreja sempre fez condenar, advertindo duramente aos fiéis. Por outro lado, sempre foi seu feitio aproveitar o que é bom e verdadeiro nos Sábios, separando do erro e conduzindo as consciências a uma erudição sadia e virtuosa - in medio virtus - a virtude está no meio: quando reconhecemos que a Providência e a nossa Liberdade coexistem, que a ação divina QUER que o mundo siga cursos naturais, mas sem que isso a impeça de intervir quando e como se fizer necessário.

No que os pagãos de ontem pecavam por excesso os pagãos de hoje (fenomenologistas e afins) pecam por escassez. Para eles qualquer tentativa de se achar sentido no mundo é uma projeção interior, imanente. Dizer a um sujeito desses que Deus governa na História é como dizer que há gigantes sobre a montanha. Dizer a ele que Cristo é Rei é tão terrível quanto dizer que dois é sempre dois e nunca três. É claro que isto é ridículo, mas ele não vai trazer o ridículo ao café da manhã ou à churrascaria: se reservará a dizer essas coisas na sala de aula, e humilhar opositores.

Para esses homens, o paganismo não é superstição, no sentido de ser uma hipertrofia da religião; mas tudo é uma coisa só, ou nada é nada. Ao negar que Deus exista e se manifeste de fato, alegam que toda crença é uma projeção da identidade do crente - o homem, vendo-se sozinho no mundo, coloca nomes e rostos atrás do Sol, das estrelas, dos animais e das pedras. Em um só golpe, o modernismo destrói a noção de intencionalidade do mundo, justifica a religião como um erro histórico/evolutivo, aniquila o acesso a Deus e à realidade concreta, mas ainda deixa espaço para a experiência sentimental pessoal e arremata num convite meloso à fraternidade dos povos. Nada mais naturalista, e também, nada mais triste.

Existe uma visão de mundo chamada católica, que aponta para sentido e sentimento, Fé e razão, carne e espírito caminhando juntos.

Mas também existe uma visão de mundo que, incapaz de solucionar o mistério do sofrimento, busca afastar o mundo da mente e o pensar da ação. Esta é a visão gnóstica, que separa Céu e Terra, que pare ao mesmo tempo Cientificismo e Irracionalismo, e cuja síntese é o que chamamos de Modernismo.

Novamente, não pretendo provar nada a vocês. Mas eu poderia escrever lá quatrocentas páginas só provando Deus tal como venho fazendo, e chamar o livro "Santas Coincidências".

(*)piada